A doma do touro: alquimia e iniciação, por Filipe Arêdes

Escrito como complemento ao chapbook "A doma do touro" de Alan Chapman. ISBN 978-65-88801-29-1
22/12/2024
13 min de leitura

Do que é feita uma iniciação, afinal? Atravessar a rua sozinho aos quatro anos de idade e ser atropelado é uma iniciação? Acordar às 4h da manhã, preparar-se para uma prática de kundalini yoga que acontece entre 5h e 7h, vestir turbante e meditar entoando mantras é uma iniciação? Lidar com a separação dos pais aos dez anos de idade também serve? Mas e se eu viajar para Lapinha da Serra (MG), passar uns dias acampado e participar de uma cerimônia de consagração de ayahuasca? Terminar um namoro pode ser uma iniciação? E sair da casa dos pais e engravidar e me formar na faculdade e adoecer e dar o primeiro beijo e tirar carteira de motorista e perder a virgindade e pagar o primeiro boleto e ficar internado e me casar na igreja ou numa loja sufi configura uma iniciação? Ou preciso me enveredar por alguma senda, especialmente a sua?

Comentei um dia desses que todo processo ligado à nigredo alquímica é um convite a alguma iniciação, é uma indicação de que a Alma já está envolvida nesse processo. O psiquiatra e psicólogo suíço Carl Gustav Jung (1875-1961) deixou claro que é no inverno da Alma, na descida ao Hades, que começamos o processo de nos tornarmos nosso si-mesmo, esse vir-a-ser mais autêntico e à vontade com quem somos. Mas é importante recuperar, a partir da alquimia, que todos esses processos acontecem de forma espiralar, como vemos na operação Circumambulatio.1 Embora ainda hoje haja alguns discursos que reiteram uma linearidade no processo, acredito ser importante apontar que essa perspectiva acaba, muitas vezes, excluindo a diversidade de modos possíveis de experimentar a iluminação. Não podemos nos esquecer da máxima alquímica “solve et coagula”, que corresponde exatamente a essa perspectiva de que a qualquer momento temos a oportunidade de um novo começo.2

Em 2022, quando me mudei de Belo Horizonte para o Rio de Janeiro, estive bastante engajado nas redes sociais falando sobre psicologia analítica e participando de lives, podcasts e cursos ligados ao campo da magia e do ocultismo. Embora bastante positiva, essa exposição também me expôs a algumas situações desconcertantes. Nesse mesmo período, além dos atendimentos a distância devido à mudança de cidade, alguns casos no meu consultório passavam por uma crise —foi uma fase um tanto conturbada. Todas essas situações me fizeram questionar profundamente o meu saber em psicologia e a minha prática clínica. Ali eu me vi em contato com esse caos originário tão característico de processos ligados à nigredo. Eu estava inseguro e sem direção. Eu estava passando por mais uma iniciação.

Embora muitas das vezes venha com uma boa dose de angústia, a nigredo é um estágio de muita potência a ser alcançado —o primeiro do processo alquímico tradicional. Nós somos educados a nos arvorar em certas verdades que muitas vezes nem têm tanto a ver assim com a gente, ou podemos admitir que ao longo da vida algumas coisas vão perdendo o seu sentido também. São justamente nesses momentos de crise que nos deparamos com a nossa prima matéria, as sombras da nossa psique —e é aqui que o renascimento psicológico se inicia, no confronto com as sombras.

Nos breves comentários que tece às dez figuras de A doma do touro, Alan Chapman nos traz alguns comentários preciosos acerca de um famoso koan3 chinês intitulado “A doma do touro”, que são de grande auxílio para quem deseja transformar essa prima matéria da qual venho falando na tão famosa Lapis Philosophorum —a Pedra Filosofal, também conhecida como o Elixir da Vida.4

Considero esse material profundamente alquímico por transmitir um conteúdo de profunda sabedoria através de imagens. E não é de não é de estranhar que essas pranchas venham acompanhadas de um poema que acentua todo seu mistério. Isso é alquimia pura! Como Lúcia Helena Galvão nos conta em seu curso sobre O Caibalion, pessoas sábias têm o dom de sintetizar, e é o que podemos conferir no koan “A doma do touro”.

A doma do touro e o caminho para a individuação

O processo de individuação é a meta de uma análise junguiana. Em termos alquímicos, esse processo corresponde ao percurso que a pessoa adepta irá cumprir em direção à Opus, a Grande Obra. Isso tem a ver com o nosso processo de lapidação interior, um árduo ofício que vai nos exigir virtudes como a paciência e a coragem.

Em seu trabalho, Jung irá demonstrar essa íntima correspondência entre o processo de individuação e a busca pela Pedra Filosofal dos sábios alquimistas. Ele vai compreender que, além de nos envolver com as demandas externas da vida, é necessário nos dedicar ao trabalho interior, às necessidades da nossa alma, que nada têm a ver com as demandas do mundo lá fora. Não é à toa que ele se dedicou a estudar diferentes religiões e a própria alquimia. Era preciso religare!5 Só assim se poderia estabelecer um bom diálogo com as imagens do inconsciente.

Essas questões relacionadas ao conceito de individuação para Jung se aproximam do processo de iluminação de que Chapman trata em seus comentários, o que fica bastante evidente se pensamos, por exemplo, no comentário de Jung sobre O segredo da flor de ouro (1929), que nada mais é do que um tratado de alquimia oriental. Esses trabalhos convergem ao demonstrarem um caminho, através de exercícios espirituais ou mágicos, para alcançar a totalidade do ser.

A primeira vez que tive contato com essas lâminas foi durante minha especialização em psicologia analítica no ICHTHYS Instituto, em Curitiba, com coordenação da analista junguiana Sonia Lyra. Em uma das nossas aulas, Sonia usou essas imagens para nos apresentar o conceito de energia psíquica. O objetivo era acompanharmos o processo de doma desse lado selvagem e irrefreável da natureza humana. No livro Do xamanismo à ciência: uma história da meditação (1982), Willard Johnson apresenta esse koan como um caminho para alcançar um estado meditativo pleno.6

Sonia tinha uma didática muito interessante: ela costumava conjugar esses momentos de estudo dos conceitos fundamentais de Jung com alguns exercícios criativos que nos ajudavam a atravessar aquela densidade conceitual. Naquele dia, ela propôs que desenhássemos nosso próprio touro interior —e é justamente isso que proponho neste momento, uma leitura dialógica. Já pensou como seria a imagem do seu touro pessoal? Experimente e crie comigo esse espaço imaginal para que a gente se transforme neste encontro!

Desenhe aqui seu touro interior

Para adentrarmos no mistério por trás de “A doma do touro”, gostaria de compartilhar alguns fundamentos alquímicos —ferramentas sofisticadas para quem deseja se iniciar nesse caminho. Em Psicologia e alquimia (1944), Jung vai apontar a importância da Imaginatio e da Meditatio para a Opus. Para ele, a imaginação é a chave para desvendar todos os mistérios da Grande Obra, e parte dessa importância está no fato de a atividade imaginativa ter um efeito na criação e transformação das coisas neste mundo.

A alma é um exemplo disto: ela também imagina muitas coisas profundíssimas fora do corpo, à semelhança de Deus. No entanto, o que a alma imagina acontece apenas na mente, mas o que Deus imagina acontece na realidade.7

Jung acreditava fielmente no poder da Imaginatio, a imaginação, não só por ele incentivar seus pacientes a trabalhar a criatividade através da pintura e outras práticas expressivas, mas por ele próprio ter se submetido à técnica da imaginação ativa e a aprimorado. Foi através do seu trabalho com essa técnica que ele escreveu o famoso Livro vermelho, publicado postumamente.

A Meditatio, por sua vez, corresponde ao diálogo interior com o “outro” que existe em nós, que podemos chamar de si-mesmo, Deus ou até Sagrado Anjo Guardião, como no sistema da Astrum Argentum também trabalhado por Alan Chapman.

Jung recupera o conceito de meditação para o hermetismo com o intuito de reforçar o quanto esse diálogo interior é também criativo.8 Através do trabalho meditativo, as coisas podem sair de um estado potencial inconsciente e chegar a um estado manifesto, uma vez que “todas as coisas vêm do Uno, através da meditação do Uno”.9

Portanto, podemos dizer que, para seguir um caminho iniciático, a prática da meditação e da imaginação são muito importantes. Ambas promovem um estado criativo na alma. Enquanto a meditação estabelece esse diálogo interior necessário ao autoconhecimento, a imaginação traduz para o mundo a nossa verdade pessoal. Viver criativamente não é se tornar artista, embora algumas pessoas possam se sentir impelidas a trilhar esse caminho. Para a grande maioria de nós, porém, a criatividade está relacionada a um lugar desejante, a partir do qual empregamos a nossa libido nas coisas que fazemos e, assim, deixamos ali a nossa marca.

A doma do touro e o seu tingimento alquímico

No campo da psicologia analítica, é muito comum o estudo dos exercícios espirituais de pessoas santas, como os de Inácio de Loyola ou Teresa de Ávila. A vida dessas pessoas serve como modelo para quem também deseja lapidar a própria pedra bruta. O caminho da individuação ou da iluminação, visitado por Chapman nessas lâminas, também nos serve de modelo. Ambos parecem percorrer algumas práticas que visam alcançar um outro estado de consciência, um estado iluminado, santificado ou crístico. Irei me ocupar de retratar o koan acrescentando algumas tonalidades, cabendo a você escolher o método que melhor lhe convier para atravessar essa jornada interior.

O koan “A doma do touro” retrata um enigma do budismo chinês antigo, o de procurar o touro que já se encontra dentro de nós. Ao perguntarem a um mestre budista qual o caminho para alcançar a natureza de Buda, ele respondeu aos seus discípulos que era como procurar um touro no qual já se está montado. No meio dessa conversa, fizeram-no então uma nova pergunta: mas qual o sentido de procurar esse touro? O mestre então respondeu que, uma vez encontrado, a sensação era como a de ir para casa montado nele.

É muito interessante essa resposta, pois a sensação de ir para casa, ou de se sentir enfim em casa, simbolicamente nos fala de um estado de profunda harmonia consigo mesmo. E é justamente isso que o koan quer nos indicar como meta desse processo, esse estado alterado de consciência que nos propicia um momento de êxtase que nos faz sentir em casa, do qual saímos transformados sempre que o atingimos. Pelo menos  é assim que eu o considero, como um momento, entendendo que a impermanência —como o budismo vai nos mostrar— é própria da experiência humana aqui na Terra.

“A doma do touro”, ao longo dos anos, ganhou diferentes ilustrações, sendo às vezes retratado num conjunto de seis, oito ou dez lâminas. A minha proposta é que passemos um tingimento nessas imagens. Particularmente, eu nunca tive muito talento para o desenho, mas minha infância foi recheada de algumas revistas de colorir vendidas em bancas de jornal. Essa era a minha diversão, dar vida ao desenho através das cores. Só que, neste “faz de conta”, vamos nos restringir a três opções: o preto, o branco e o vermelho.10

Para que possamos trabalhar com essas lâminas, acho interessante também se perguntar o que levou você ao estudo da magia. Peço que faça esse exercício de recordação, pois pode ser que você se reencontre consigo ao olhar para a primeira gravura. Ali o discípulo está perdido e talvez ainda não perceba o motivo de estar sem rumo. Ele apenas convive com essa sensação.

Aos poucos o discípulo avista alguns vestígios, até que a figura do touro se lhe apresenta claramente. Temos então a derrocada da situação: ele parte para cima do touro. Já imaginou domar um animal de tal porte? Pense só o sacrifício! Nessas primeiras lâminas, temos bem ilustrado o estágio da nossa já familiar nigredo.

Diante do que já foi exposto, acrescentaria apenas algumas notas a respeito do anoitecer da Opus (estou falando novamente da nigredo). Na busca por uma prática mágica e espiritual consistente, quantas vezes você já se sentiu em confronto com esse compromisso tão necessário para a realização de um intento? Quantas dificuldades ou tentativas de interrupção você não sofreu nesse processo? As primeiras etapas da doma do touro estão muito relacionadas à conquista da disciplina para a realização dos seus próprios objetivos. Esse trabalho requer um confronto com a nossa própria sombra, e é nessas horas que velhos medos podem vir nos visitar.

Na sequência, vemos que o discípulo acaba tendo sucesso em sua tarefa. Ele consegue domar o touro e já retorna para casa montado nele, enquanto toca sua flauta. Em casa, a lâmina seguinte indica que ele se esqueceu do touro. Mas do que se trata esse esquecimento? Estamos falando da chegada ao estágio da albedo. Ali adentramos a dimensão lunar da Opus, quando a alma encontra um respiro após a tensão gerada pela nigredo. Há uma sensação de alívio, mas não é propriamente um descanso: algo permanece em movimento.

Acho importante fazer uma ponderação a respeito da passagem pela albedo antes de chegarmos à meta principal da Opus. Por vezes ficamos encantados demais com esse estado, por termos acesso aos mistérios entre os véus, e acabamos por querer permanecer no “mundo da lua”. Em graus mais críticos, esse acesso pode representar até mesmo um rompimento com a realidade. Portanto, muita atenção, jovem padawan!

Por fim, temos o retorno do discípulo compartilhando as boas novas de sua graça alcançada: chegamos à rubedo. Sempre gostei do fato de a prática do kundalini yoga nos preparar para a nossa vida ordinária. Lembro-me muito do meu antigo professor de kundalini yoga, Rogério Bettoni (SatBhagat), falando em nossas aulas que o kundalini não era um yoga das “montanhas”. Isso tem tudo a ver com esse estágio final. Quem se “ilumina” não é quem se retira da convivência com o seu povo —pelo contrário, é quem permanece na abertura para as trocas. A rubedo tem a ver com esse rubor da pele! Sangue quente correndo nas veias, desejo ardente de viver e compartilhar das suas descobertas.

Há uma temática da ressurreição em torno da rubedo. São processos de grande transformação, dos quais saímos renascidos das cinzas. Vermelho, emplumado como uma fênix!

Convido você a imaginar esses instantes de eternidade compartilhada pelos quais você já passou. Pode ser uma festa, uma troca generosa entre pessoas amigas ou o fim de um belo trabalho ritual. É muito comum que surja um sentimento de pertencimento, sentir-se parte da comunidade, em harmonia com o Todo. Somos tomados pelo entusiasmo e mal cabemos em nós mesmos, pois, embora não saibamos conscientemente, estamos acessando a nossa Lapis Philosophorum.

Ensaio para desaparecer, ou até breve

É importante viver a experiência da nossa própria circulação pelo mundo,
não como uma metáfora, mas como fricção,
poder contar uns com os outros.
Ailton Krenak

Gosto muito de pensar no discípulo de “A doma do touro” como a carta do Louco no tarô, o arcano zero, que pode estar tanto no início quanto no final. Gosto do que há de mais mercurial nesse personagem, na sua contradição e multiplicidade. E é com esse apontamento que começo a me despedir: o fim também é começo!

Acredito na importância de problematizarmos o pensamento a respeito da iluminação. James Hillman faz uma ótima crítica nessa direção. Ainda somos muito influenciados por uma perspectiva cristã e iluminista da Grande Obra, sob a qual a meta parece estacionar no estágio do “esclarecimento” ou da “iluminação”. Assim, a experiência fica totalmente no plano mental. Pois façamos coro: há que se encarnar para viver. Senão, o unus mundus é vivido como unio mentalis.

Particularmente, estou bastante contente com a chegada deste material do Alan Chapman no Brasil. Acho a sua leitura de “A doma do touro” poética e democrática.

Confesso que foi difícil chegar até aqui. Acredito que acabei me apegando a este texto, que me fez visitar boas memórias da minha trajetória, além de me pôr mais próximo de uma temática que tanto me interessa como a alquimia. Desejo que essas imagens de “A doma do touro” possam servir como uma referência em seus estudos magísticos, sejam eles quais forem. E que essa lente alquímica possa lhe servir como meio de leitura para sua jornada interior.

Encerro a minha fala fechando este campo imaginal aberto entre nós durante a leitura, mas com a intenção de que nosso contato se dê em novas encruzilhadas. Até breve!

Referências

Galvão, Lúcia Helena. “O CAIBALION, Sabedoria Egípcia Hermética”. Vídeo do canal: Nova Acrópole Brasil. Disponível em <https://bit.ly/LHGCaibalion>. Acessado em 30 out. 2024.

Hillman, James. Psicologia alquímica. Trad. Gustavo Barcellos. Vozes, 2011.

Johson, Willard. Do xamanismo à ciência: uma história da meditação. Trad. Octavio Mendes Cajado. Cultrix, 1995.

Jung, Carl Gustav. Psicologia e alquimia. Trad. Dora Mariana Ribeiro Ferreira da Silva. 6. ed. Vozes, 2012.

________ . O livro vermelho. Trad. Liber Novus, Edgar Orth. Vozes, 2017.

________ ; Wilhelm, Richard. O segredo da flor de ouro: um livro de vida chinês. Trad, Dora Ferreira da Silva e Maria Luíza Appy. 15. ed. Vozes, 2013.

Krenak, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. 2. ed. Companhia das Letras, 2020.

Martins, Leda Maria. Performances do tempo espiralar: poéticas do corpo-tela. Cobogó, 2021.

Zenji, Mestre Kakuan Shion. O monge e o touro: Jûyûzu — os dez desenhos de domar o touro. Trad. e comentários Monja Coen Rôshi. Companhia Editora Nacional, 2015.

Notas

  1. Embora a palavra circumambulatio indique um movimento circular, ele nunca retorna ao mesmo ponto, é sempre uma nova perspectiva, e por isso tratamos aqui por essa via espiralar. Trata-se do princípio alquímico da insaciabilidade, segundo o qual todas as coisas em alguma medida estão em movimento, em rotação —ou, melhor dizendo, chegam a uma transmutação. ↩︎
  2. Importantíssimo dizer da necessidade de mudarmos o discurso literal, que interpreta os processos alquímicos como se fossem hierárquicos, lineares, eugenistas e normativos —ou seja, como se houvesse apenas uma rota de experimentar a iluminação, ou como se   os princípios masculino e feminino incorressem numa experiência heteronormativa. “Solve et coagula”, o “dissolver e coagular”, nos traz uma perspectiva de que os processos são dinâmicos e estão em constante transformação —a meta é o caminho, e não o ponto final. Conferir, por exemplo, “A pedra: imagens alquímicas da meta”, em James Hillman, Psicologia alquímica. ↩︎
  3. Um koan pode ser uma frase poética ou um conto, com um conteúdo paradoxal e muitas vezes enigmático, que visa auxiliar o processo de formação de iniciantes. Está ligado à tradição do zen budismo.    ↩︎
  4. A Pedra Filosofal é considerada a meta alquímica, ou seja, a conjunção ou equilíbrio dos opostos. Para Jung, esse estágio correspondia à conquista da individuação. Aqui, pensemos na Pedra como uma metáfora para o fundamento, o que nos serve de base. Se a alquimia entendia a busca pela Pedra como o caminho para atingirmos nossa imortalidade, no contexto da Grande Obra da magia devemos entendê-la como a via para a reconexão conosco, com o nosso lastro —alcançar a Pedra tem mais a ver com a descoberta de estratégias que me conectarão com minha essência (ou meu si-mesmo, minha Verdadeira Vontade, ou meu “eu mágico futuro”, como diz Chapman). Enquanto houver vida, haverá recomeço e iniciação. ↩︎
  5. Religare é uma palavra em latim que significa se ligar ao divino novamente.  ↩︎
  6. Recomendo fortemente a leitura do livro de Willard Johnson a quem deseja se aprofundar no estudo das lâminas. ↩︎
  7. Carl G. Jung, Psicologia e alquimia, p. 299. ↩︎
  8. Vale mencionar aqui alguns princípios herméticos como “transmutação mental” e “gênero”. O princípio da transmutação mental parte da ideia de que a mente é capaz de mudar as condições do universo. Se somos parte do Uno, como Jung afirma, somos capazes de cocriar com esse grande criador. O princípio do gênero complementa essa ideia —a própria etimologia da palavra está ligada a nascimento, origem, dar à luz, gerar etc. Portanto, ao retornar ao hermetismo, Jung quer ampliar o sentido do trabalho meditativo, demonstrando a sua potência geradora. ↩︎
  9. Ibidem, p. 293.  ↩︎
  10. Peço, de antemão, que se lembre da ressalva que fiz anteriormente: a de que compreendamos tais estágios como espirais. Em nossas práticas mágicas e espirituais, nós temos a oportunidade de circumambular por essas etapas da doma do touro em diferentes processos da nossa vida. ↩︎

Autoria

Filipe Arêdes

Psicólogo Clínico, trabalha no atendimento de jovens e adultos. Atualmente é mestrando em Psicanálise pela UERJ, pesquisa a temática do tempo, sujeito e neoliberalismo. É pós-graduado em Psicologia Analítica, com interesse no estudo comparado de religiões e alquimia. Filipe também é ator e tem trajetória no campo da Arte e Saúde Mental.