Você vai rir desta. Quando eu tinha 16 aninhos, comecei minhas primeiras incursões no mundo do ocultismo. Até então, tirando uma ou outra espiada numa revista qualquer, os únicos materiais que eu havia lido a fundo eram de Blavatsky e Dion Fortune. Peguei dessas autoras a ideia da Grande Fraternidade Branca e tive a impressão de que o ocultismo contemporâneo consistia num grupo fervoroso de livres-pensadores, formado por homens e mulheres que trabalhavam para superar os limites do parafísico. Ingênuo, né? Nem preciso dizer que essa ideia não durou muito tempo. Fiquei horrorizado ao descobrir que fofocas se propagam mais rápido que a luz, e que a intriga, a difamação e a atitude egoísta pareciam ser habituais nesse meio – do mesmo jeito que entre as pessoas comuns, é claro… só que essas pessoas que eu estava conhecendo eram “iniciadas” ou “espiritualmente evoluídas”.
Quase 16 anos se passaram, e ainda estou nesse meio.1 O que me entristece é que a intriga e o egoísmo também estão. Talvez esse seja um traço inevitável do comportamento de grupo, uma necessidade de reafirmar o próprio senso de identidade menosprezando os outros. Assim, os que se dizem “iniciados” podem se sentir superiores à “manada” porque detêm o “conhecimento oculto”, da mesma forma que leitores de jornais literários menosprezam quem lê revistas de fofoca. Isso faz parte do nosso condicionamento cultural, sem dúvida. Mas para mim o propósito da “evolução espiritual” é justamente buscar uma superação tanto dos condicionamentos que moldaram e dificultaram minhas atitudes quanto das crenças e padrões que determinam minha forma de lidar com as pessoas. Então, quando alguém me diz que não se pode mudar a natureza humana, eu costumo perguntar: “Por que não?”
Pela minha experiência, muita gente se envolve com o ocultismo por se sentir profundamente insatisfeita com a situação do mundo. Os vários caminhos ocultistas e espirituais que existem nos oferecem meios de mudar a nós mesmos e, espera-se, o mundo à nossa volta. Algumas pessoas diriam que essa grande diversidade de caminhos espirituais é parte do problema. Não seria mais simples se todos acreditássemos nas mesmas coisas, fizéssemos as mesmas coisas, pregássemos o mesmo discurso… e quem ousar discordar que morra? Essa ideia soa familiar, não? Me parece haver, em meio à diversidade, um fator do qual partilhamos: nós ousamos ser diferentes. Por que então, depois desse primeiro ato de coragem, nós caímos de novo no hábito de condenar outros que ousaram ser diferentes também?
Há um velho ditado que diz que há três tipos de pessoas: as que fazem acontecer, as que observam as coisas acontecerem, e as que se perguntam o que aconteceu. Suponhamos, por exemplo, que alguém tenha tido uma ideia brilhante. Uma nova revista, encontro ou congresso. Algumas pessoas vão achar a ideia excelente e perguntar o que podem fazer para ajudar. Outras vão ficar de olho e ver no que dá. Outras vão se lamentar por não terem pensado naquilo antes. E outras têm ainda uma reação bem comum: elas acham que poderiam fazer aquilo se quisessem, mas como são incapazes de levantar a bunda do sofá para fazer, de jeito nenhum que não vão deixar outras pessoas fazerem! Na comunidade ocultista, essa situação se complica devido às pessoas que se intitulam como autoridade ou especialista em determinado assunto e não suportam ver outras fazendo qualquer coisa que pareça invadir o “quintalzinho” delas. Tem sido difícil se mover pelo labirinto do ocultismo sem tropeçar no ego de alguém, e é claro que um dos insultos mais proferidos é que “fulano de tal tem o ego inflado”. Sem querer entrar em psicologismos baratos, eu entendo que a palavra “ego” remete a um senso de identidade e de propósito. Sem um forte senso de si, seria muito difícil fazer qualquer coisa. Se meu senso de mim mesmo não fosse forte, toda vez que eu ouvisse alguém dizer “Ah, o Phil Hine, aquele babaca”, eu me esconderia num armário por alguns dias, em vez de retrucar com um “Pois é, querido, mas quem não é?” e seguir com a vida.
Não estou dizendo que devemos ser “bonzinhos” uns com os outros. Críticas são sempre construtivas a meu ver. Só estou questionando por que parece que algumas pessoas se fortalecem ou se afirmam diminuindo os outros o tempo todo, especialmente aqueles que estão tentando realizar coisas. Se os poucos ocultistas da Inglaterra que realmente fazem acontecer – aqueles que organizam encontros e congressos, abrem livrarias, editam revistas (para que pessoas como eu possam vociferar) etc. – de repente se levantassem e dissessem “Muito bem, cansei dessa merda, chega”, onde ia parar a assim chamada comunidade ocultista? Bom, no mínimo ficaria difícil manter qualquer senso de comunidade. Imagine: sem encontros, sem congressos, sem revistas, nada muito além de um ou outro livro enfadonho publicado pelas editoras, que estão cada vez mais cheias de dedos para lidar com “materiais de ocultismo”.
As poucas pessoas da comunidade ocultista (e parecem ser sempre as mesmas) que de fato se empenham em realizar seus ideais no plano material, por assim dizer, parecem receber mais críticas que reconhecimento. Não estou dizendo que devemos exaltá-las, até porque, no fundo, elas não fazem o que fazem querendo fama e glória, mas porque enxergam uma necessidade e estão dispostas a fazer as coisas acontecerem. Convenhamos, se alguém realmente quer fama, glória e um milhão no banco, organizar um encontro pagão, liderar uma ordem mágica ou organizar um congresso não é bem o melhor caminho. Melhor seria virar estrela de rock ou pastor evangélico.
Como não ocultistas veem o que fazemos? Quando a mídia se cansa de nos retratar como satanistas que devoram criancinhas, se aproveitam de virgens e corrompem menores, ela tende a passar a imagem de que somos fanáticos e esquisitos. Mas considerando a desunião, as rixas que acontecem nos encontros de ocultismo e as discussões que não levam a lugar nenhum, eu até entendo! Se a evolução espiritual, como parece em alguns casos, representa a incapacidade de ouvir o ponto de vista do outro, o direito de ridicularizar os outros por serem diferentes e a postura de quem “tem todas as respostas”, mas não tem a decência de oferecer nenhuma, será que não estamos nos enganando quanto ao valor essencial do que fazemos? Desejamos realizar nossos ideais e agir de acordo com eles, ou estamos satisfeitos em fazer pose e cuspir um monte de baboseira tentando nos convencer da nossa superioridade inata em relação ao “resto” da humanidade, para depois voltar para o balcão e pedir mais um chope? Aliás, será que de fato somos uma comunidade? Existe alguma crença ou emoção compartilhada por todos nós, e forte o suficiente para nos manter unidos? Enquanto alguns continuarem agindo em desacordo com as crenças que defendemos para nós e para os outros, qualquer oportunidade de menosprezar os outros será agarrada com prazer. Por mais que novas ideias às vezes levem anos para serem absorvidas de forma mútua entre diferentes caminhos na esfera ocultista, é quase um axioma que a fofoca se espalhe mais rápido que a luz. É claro que todos gostamos de ouvir uma fofoca, mas algumas pessoas sentem prazer em espalhar boatos por aí, especialmente a respeito daquela pessoa que se destaca em meio à massa cinzenta dos ocultistas por fazer um trabalho árduo de organização ou por fazer alguma coisa pelos outros. A inveja pode muito bem ser o que motiva o prazer de quem faz isso, ou o desejo que têm essas pessoas de serem consideradas importantes. Transmitir esse tipo de mensagem é como disseminar um vírus em forma de palavra, e quem faz isso é rapidamente identificado como condutor e, em geral, visto com desconfiança. O nível de paranoia presente em qualquer cenário ocultista cresce, e os efeitos são semelhantes ao de um ataque mágico geral – quem é alvo do vírus da fofoca perde autoconfiança e se sente isolado, até mesmo apavorado, já que, quando somos atacados dessa forma, é fácil ter a sensação de que todo mundo está falando de nós e de que ninguém está do nosso lado.
O vírus da fofoca é astuto; ele se defende muito bem, e seus transmissores, quando criticados por suas ações, normalmente negam o que fazem e parecem surpresos com a acusação. Alguns são mais sorrateiros e transmitem seus ataques anonimamente, acreditando que estão safos ou que contar boatos para os outros é prestar um serviço público para todos nós. E se o alvo da difamação realmente se afastar de suas atividades na esfera pública, quem sai perdendo? O indivíduo atacado, é claro, e provavelmente outros que se beneficiavam do que ele fazia anteriormente. Assim, somos prejudicados pelo próprio meio. Não é de surpreender que muitos ocultistas experientes se afastem da comunidade, e que muitas pessoas talentosas, com as quais todos teríamos a ganhar, hesitem em se vincular a outros ocultistas devido a esse problema.
Se pagãos e ocultistas direcionassem para outras áreas a energia que gastam atacando uns aos outros, realizaríamos muito mais. Minha experiência mostra que toda vez que alguém surge com uma ideia para melhorar a situação, sempre há quem se oponha. Ora, não dá para agradar todo mundo o tempo todo, é claro, mas parece que algumas pessoas não aceitam uma ideia quando acham que a deveriam ter tido antes ou sobre a qual deveriam ter sido consultadas, já que são “autoridades” ou “líderes”. Como dizem por aí, cada um tem o líder que merece. Se não somos capazes de lidar com essa prática arraigada de atacar uns aos outros com base em supostas diferenças, como podemos esperar que não ocultistas nos tratem de outra forma? É óbvio que haverá opiniões divergentes, mas com certeza o melhor modo de lidar com isso é procurar a pessoa em questão e discutir o caso diretamente com ela, em vez de propagar um vírus destrutivo, não acham? Às vezes surgem propostas de reunir um “Conselho dos Anciãos”, que supostamente nos conduziriam à tour de farce das investigações internas à moda macarthista, e o fato de essas propostas nunca chegarem muito longe é um bom sinal.
A própria diversidade de ocultistas tem sido considerada tanto uma força como uma fraqueza. É uma força porque nunca seremos homogeneizados numa massa facilmente manipulável por alguém que queira manipulá-la, mas pode ser uma fraqueza se perpetuarmos o velho hábito de fazer os outros de bode expiatório – essa tática de controle tem dado certo na sociedade pelos últimos dois mil anos. Da próxima vez que ouvir alguma fofoca maldosa sobre alguém, imagine como se sentiria se o assunto fosse VOCÊ. Não deixe o vírus se propagar através de você. Se alguém expressar uma opinião diferente da sua, sinta-se à vontade para discordar, mas celebre o fato de que essa diferença existe e pode ser uma fonte de força. Se você quer viver de acordo com seus próprios valores, por que não dar aos outros o mesmo privilégio?
Notas
- O ano era 1992. ↩︎